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O Início


Percebi que o velho medo do escuro havia voltado, que aquela sensação de ter alguém na penumbra me olhando, desaparecida por uns tempos, fazia-se presente todas as vezes que apagava as luzes de um dos aposentos de minha casa.

Com o mundo às portas de outra grande guerra (a primeira Guerra dos Estados Unidos contra o Iraque), com a mente em turbilhão, agitada pelos mais diversos e dispersos pensamentos, exercitava o correr da pena pelas páginas de um caderno adquirido para esse fim, na esperança de escrever um grande livro, que vendesse milhares de exemplares, para que assim alcançasse a paz, vivendo posteriormente numa bela casa, próxima a uma praia.

Não sabia sequer se viveria o bastante para terminá-lo. Também não imaginava de onde tiraria idéias e palavras para preencher as inúmeras páginas que tinha pela frente.

Naqueles dias sentia realmente que estava desperdiçando esta encarnação. A profissão que tinha não me agradava, tampouco meu modo de viver. Embora estivesse em contato com filosofias elevadas de pensamento, não encontrava forças para modificar meu modo de ser, meus hábitos, enfim, expurgar de minha personalidade o que considerava indesejável, o que era proibido e caminhar rumo a perfeição, que tinha para comigo que era possível.

Perdia assim os dias e a força dos meus trinta anos, idade na qual a maioria das grandes iniciações ocorreram. E nada fazia para modificar esse quadro, a não ser confessar-me perante umas folhas de papel, na esperança de que estas me dessem a paz na forma já descrita.

Só podemos expressar o que sentimos e falarmos sobre aquilo que preocupa nosso coração.

Não posso tentar ensinar, nem escrever belos pensamentos, pois ainda não consegui nada para mim mesmo, sendo assim, seria hipócrita demais se desejasse dar aos outros, aquilo que ainda não possuía.

O caminho, a força, a vontade, certamente não poderia retratar, pois me eram desconhecidos ou me faltavam. Restava apenas a emoção dos momentos vividos, as reflexões diante da estagnação, a esperança de que a paz pudesse surgir e sobreviver no sistema de vida que levava.

Quase não tinha contato com o mundo e as pessoas. Conversava sim, mas meu interior era impenetrável, meus pensamentos mais íntimos, não os divulgava, minhas aspirações, continha-as, sempre com a esperança de que tudo mudasse por mágica ou pela vontade de Deus.

Se nada tinha para dar, qual a razão da vontade de escrever, pois as possibilidades de tornar públicas as idéias eram remotíssimas?

Perguntava-me, mas já tinha as respostas. Nos momentos em que o fazia, era como se estivesse em comunhão com o Universo e sentia prazer nisso. Gostava de imaginar que alguém mais tarde poderia se distrair lendo-o, ou ainda, que minhas experiências servissem de estímulo ou consolo para outros em situação idêntica à minha.

Porém, certamente, eram a casa na praia e o barulho do mar o que mais me atraiam. Também a idéia das pessoas verem-me como um escritor, como um homem bom, pois que mal um operário das letras pode causar a outrem? Como pode ferir ou ser ferido, se não tem decisões a tomar sobre si ou terceiros? Resta-lhe tão somente dedicar-se à sua família. Assim todos diriam, e dessa forma seria feliz.

Não havia outro caminho a seguir. A paz absoluta, a comunhão com o Criador e o Universo, estavam banidas por completo da minha maneira de ser e pensar. A possibilidade de curar, de desenvolver dons como a telepatia, a projeção psíquica, a premonição, estava totalmente descartada.

Insisto, nada me restava, senão uma vida medíocre, atenuada pelo álcool e pelo sabor da carne da alguns animais. Sabia que não daria um passo em direção a algo maior. Sabia que seria assim e tinha que conviver com isso. Não poderia de forma alguma, agir de maneira contrária. Como o progresso me era impossível, tinha simplesmente de continuar como estava e a todo instante ser lembrado disso.

Também não tinha com quem desabafar. Os amigos, raros, não alcançavam as alturas de minhas angústias. Uma palavra a mais e pronto, seria mais um habitante dos hospitais psiquiátricos (o que ocorreria em Junho de 1991).

Como lhes explicar um homem que anseia por paz, que se emociona com o sofrimento alheio, que acredita nas pessoas, que sabe que a vida será melhor um dia, que deseja isto, que gostaria de contribuir para isto, mas que calmamente prossegue em sua rotina idiota, sem mover um só dedo para tanto.

O certo, o ideal existe, porém não posso alcançá-lo. Devo ser melhor e posso sê-lo, mas não reúno no momento, condições pessoais para tanto. Na realidade não quero. Gostaria que as coisas continuassem como estão, sem as coisas más, tipo agressões, brigas, estupros, roubos, etc. Só as coisas boas, como sorriso de crianças, filhotes de animais domésticos, amizade, comida, etc., deveriam permanecer. A tão almejada paz na Terra. Todos se respeitando, independentemente de raça, credo, cor, posição social, graus de estudo, etc. No fundo, queria desfrutar os prazeres da vida, sem ter de me arrepender depois disto. Mas sei e sinto que não pode ser assim. Sei e sinto que um homem não pode servir a dois senhores. Quando me decidirei? Não sei. Resta-me um consolo, a eternidade é longa (hoje, 2003, penso existir um lapso, digamos temporal, um certo número de encarnações, ao término dos quais haveria um julgamento e a personalidade em evolução, se reprovada, poderia ser destruída pelo Criador).

Devem estar se perguntando como cheguei a tal ponto, e também como me mantenho em equilíbrio?

A resposta ao segundo tópico é bastante simples. Tenho plena consciência de quem sou e do que posso ser. Conheço perfeitamente meus limites, em sendo assim, não alço vôos maiores do que aqueles que posso controlar. Permaneço estático, não posso avançar.

A primeira pergunta, será respondida neste Primeiro Capítulo.


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